Debate com representante do MP aquece os ânimos
A insegurança jurídica é um dos principais gargalos do setor imobiliário, e os empresários anseiam por marcos regulatórios transparentes e menos passíveis de interpretações dúbias. Estes pontos ficaram bastante claros durante o painel “Grandes temas do mercado imobiliário sob a ótica da atuação do Ministério Público”, realizado em 19 de setembro, no âmbito da Convenção Secovi.
O promotor Maurício Antônio Ribeiro Lopes e o advogado Marcelo Terra, coordenador do Conselho Jurídico da Presidência do Secovi-SP e diretor da Fiabci/Brasil, foram os palestrantes; o presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-SP, Marcelo Manhães, desempenhou papel de coordenador do debate.
Reconhecido como “polêmico”, Maurício Lopes atua na Promotoria de Habitação e Urbanismo e é responsável por ações de grande repercussão na mídia. Dentre outras, tentou impugnar o deputado federal Tiririca, sob alegação de “falsidade ideológica”, já que este seria analfabeto; tentou impedir o prosseguimento das obras do Rodoanel Norte; e acionou construtoras que ergueram empreendimentos com pouco menos de 500 vagas, pois, em sua visão, tais empresas estariam agindo de má-fé para se livrarem das contrapartidas exigidas dos polos geradores de tráfego.
O representante do MP iniciou sua apresentação mencionando as atribuições do Ministério Público, descritas no Artigo 129* da Constituição Federal. Segundo o magistrado, cada promotor de justiça é, em si, um “mini MP”, tamanha a liberdade de atuação a ele reservada pela legislação vigente. “É preciso ter muita responsabilidade para não cometer abusos”, reconheceu. “Não sou um ajuizador maluco de ações civis públicas.”
Em sua exposição, ele defendeu que o MP não é “órgão licenciador”, garantiu que não é seu objetivo impor um “custo Ministério Público” às empresas e atribuiu a responsabilidade pela insegurança jurídica – e judicial – às deficiências dos próprios legisladores, que criam normas confusas, sujeitas a diferentes interpretações. Por outro lado, também fez questão de ressaltar que considera “necessário” que haja alguma “margem de discricionariedade, uma estabilidade dinâmica”, de modo que a letra da lei acompanhe a dinâmica da sociedade e não se torne algo “estanque, pois o mundo se move na direção dos interesses de todos” e acrescentou: “Uma certa insegurança sempre existirá na nossa cidade”.
Marcelo Terra, por sua vez, iniciou sua preleção declarando achar “uma judiação” que a cidade de São Paulo seja refém das mudanças das leis. Ele lembrou, por exemplo, ser fundamental o respeito ao direito de protocolo. “Falo isso não como advogado, mas como cidadão”, afirmou. E discordou do promotor Maurício Lopes no tocante à “margem de discricionariedade” e à tal “estabilidade dinâmica”: “Não podemos viver ao sabor da interpretação das leis”, argumentou. Em seguida, ele lembrou que os promotores detêm um “poder de distribuição” infinitamente maior que o dos advogados – ou seja, um erro cometido por um advogado prejudicará, essencialmente, seus clientes, e apenas eles. Já o equívoco de um promotor tem o potencial de ser danoso à coletividade: “O promotor, assim que pega a caneta, é autônomo e pode apresentar o que quiser. Mas, depois que sua denúncia é apresentada e acatada, ele não tem mais a liberdade para recuar e corrigir o que fez”, ponderou. “Como sociedade, precisamos criar um sistema de peso e contrapeso.”
Compromisso de todos – Além de reconhecer que o setor imobiliário é o maior gerador de empregos do País, Maurício Lopes disse saber que toda obra gera impacto, “mas a falta de obras também gera impactos”. Assim, sua conclusão foi a de que é preciso buscar “a conciliação de interesses econômicos, empresariais, públicos e sociais”.
Marcelo Terra, porém, lembrou que o setor imobiliário vem “pagando a conta” – primeiro, com as operações urbanas; depois, com as exigências de contrapartidas cada vez mais onerosas. “Entramos nas operações urbanas. Mas, além das obras viárias previstas, tivemos de pagar outras. Ora, o planejador público deveria ser um bom planejador. A responsabilidade é solidária, mas não deveria ser solitária”, pontuou. “A conta não fecha financeiramente nem juridicamente.”
Na mesma linha, Manhães lembrou que o consumidor paga a conta. “Cai bem aos meus ouvidos a fala do promotor sobre o custo MP. Seria muito bom que a gente falasse a mesma língua.”
Ao final do debate, o presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes, ponderou que os chamados impactos cumulativos deveriam ser previstos pelo planejador público. “Estamos em vias de aprovar um Plano Diretor que prevê maior adensamento nos eixos com melhor oferta de transporte, e isso tem de ser equacionado, previsto, pelo gestor público”, ressaltou. Na sequência, o vice-presidente de Incorporação do Secovi-SP, Emílio Kallas, chamou atenção para as implicações econômicas acarretadas pela insegurança jurídica. “Temos falado muito do ‘pibinho’. O que me chateia é saber que, por causa da insegurança jurídica, todo mundo opta por fazer investimentos menores. Já pensaram no quanto a gente desperdiça? Na diferença que faria este dinheiro injetado na nossa economia?”, provocou.
No entanto, Maurício Lopes foi enfático em defender que os “princípios da razoabilidade e da proporcionalidade não são revogados a despeito dos números estanques da lei”, ao que Marcelo Terra rebateu: “O que me preocupa é saber se o julgador é dotado da razoabilidade que se exige da lei”.
Nota: *Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II – zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
§ 1º A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.
§ 2º As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição.
§ 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação.
§ 4º Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93.
§ 5º A distribuição de processos no Ministério Público será imediata.