O Plano Diretor e o futuro da cidade
Segundo o secretário, a primeira minuta do Plano Diretor não pode ainda ser comentada – antes de vir a público, a proposta será debatida na Comissão Municipal de Política Urbana, e divulgada no próximo dia 13 de agosto. “Essa reunião é proveitosa para o diálogo, para criar bases comuns de compreensão do plano e qual debate se insere na discussão“.
Ele iniciou observando o título do evento, a cidade que queremos. “A questão é saber se a cidade que cada um quer é a mesma. São 11 milhões de habitantes e de desejos sobre o mesmo território”, disse. Por isso a importância do Plano Diretor, para regular não apenas os movimentos do mercado imobiliário, mas diversos outros movimentos da cidade, já que são diversos agentes atuando, com interesses públicos, privados, coletivos, individuais. ”Mais do que orientar movimentos, há a necessidade de pactuar esses movimentos. Mais do que cidade que queremos, podemos colocar aqui cidade que pactuaremos”, afirmou.
Ao lembrar que a cidade é um território de conflito, ele citou o espaço da rua e descreveu a discussão na Comissão Municipal de Trânsito e Transporte recém-instalada: representantes de interesses dos motoristas particulares reclamavam da construção de faixas exclusivas para ônibus, os ônibus reclamavam do uso da faixa pelos taxistas, que reclamavam dos motoboys, dos ciclistas, de todos. “É um círculo vicioso, todos com ponderação sobre o uso de espaço pelos modais. Todos têm razão, precisamos de ruas para pedestres, bicicletas, ônibus”.
Segundo Mello Franco, a questão é como pactuar o uso do espaço.
“É importante entender que não é o mercado imobiliário ou o Poder Público que definirá sozinho o rumo da cidade. Necessariamente, vamos construir uma cidade que resulte da pactuação de todos os agentes”, defendeu. Para ele, no processo de debate para a revisão participativa do Plano Diretor, a imprensa terá papel fundamental, pois ela poderá identificar os atores, os interesses e qual o debate que se deverá fazer em torno desses interesses. “A maioria é legítima, mas precisamos identificar. Estamos desenvolvendo o processo preocupados com isso.” Além do mérito, e mais do que apresentar propostas do Poder Público, a meta é expor um primeiro arbítrio das propostas recebidas de todas as forças e agentes da cidade. “Se não tivermos um pacto efetivo, o futuro plano vai ter o mesmo destino do plano vigente – na sua essência, tem coisas positivas, mas o que falhou foram os mecanismos de implementação. “Um exemplo são os corredores de ônibus, que seriam parte da solução do problema de mobilidade, que, definidos no plano em 2002, não foram implantados. Temos de construir lei que de fato tenha aderência na sociedade”.
Para conduzir o processo do Plano Diretor, foi introduzida uma nova palavra ao título – Revisão Participativa do Plano Diretor Estratégico – e desde o primeiro momento a meta foi estruturar processos de debate e discussão públicos em vários estratos, por subprefeituras, em critérios de divisão territorial, ou debates feitos por setores da sociedade, econômicos ou outros. O processo foi dividido em três etapas. A primeira foi de avaliação do plano vigente, em um mês, finalizada com a avaliação de que há inúmeros pontos positivos no plano, com dificuldades de efetivação. A segunda etapa, que acabou duas semanas atrás, foi de recepção de propostas. “Passamos por todas as subprefeituras recebendo e debatendo propostas, não em forma de audiências públicas, mas em forma de oficinas participativas, organizando pessoas em grupos, com capacidade de falar, escutar, com conclusões depois levadas a plenárias. Agora é a terceira etapa: vamos divulgar a minuta preliminar no dia 13/8 e a partir daí haverá um mês para debatê-la, explicá-la para a sociedade e iniciar o processo de costura e pactuação com vistas ao texto final. Nossa meta é enviar no começo de setembro o texto com o projeto de lei para o Legislativo, que a partir daí organizará o rito de discussão”.
Por que a pressa?
Segundo o secretário, a pressa é porque São Paulo não pode esperar. “Não podemos ficar discutindo eternamente, precisamos ter os instrumentos para acompanhar a mudança da sociedade“. A ideia, disse, é debater não apenas os méritos, mas o processo político, os conflitos políticos que estarão, de certa forma, representados nesse plano. “Essa é a essência e já digo de antemão que esse Plano Diretor não é o que o prefeito quer para a cidade dele, mas sim aquele que vai expressar um conjunto de propostas originárias das forças que coabitam na cidade”.
Para ele, esse é um dos principais princípios para se chegar a um Plano Diretor que de fato seja adotado pela sociedade. Para apoiá-lo, foi criado um canal de comunicação, virtual, sobre plataforma livre, na internet, no endereço www.gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br, permitindo outras contribuições das sociedade. “Grande parte dela se expressou, e o próprio Secovi tem acompanhado ativamente este processo”, apontou Mello Franco. Chamou a atenção a observação feita por ele de que, nesse processo, tão importante quanto quem esteve presente foi observar quem esteve ausente. Entre os presentes, ele destacou os movimentos de moradia, o Secovi, os cicloativistas. E entre os ausentes, as grandes empreiteiras e instituições de classe, de áreas como Engenharia e Arquitetura. “Também se aprende com as ausências”, salientou.
O portal oferece histórico do processo e ali se constata que a participação virtual tem sido maior do que a presencial. Além disso, o teor das demandas da população nas audiências e oficinas públicas difere das demandas pelo canal virtual e mostra que setores distintos da sociedade se identificam com meios distintos de comunicação. Sobre a plataforma Google Maps foi criado um mapa colaborativo que vai ficar para além do Plano Diretor, onde as pessoas podem identificar uma localidade e apontar problema e, se quiserem, também sugerir a solução para o problema. “Assim, vamos construindo uma forma a mais de rede, uma coisa mais orgânica, um debate público, pactuado entre todos, por outra cidade que não é propriamente a cidade em que estamos vivendo“. Segundo antecipou o secretário, a mobilidade será, sim, uma questão central do novo plano.
Protagonismo do cidadão
Celso Masson defendeu um olhar positivo sobre cidade, o mesmo que, segundo ele, tem procurado levar para a edição anual de Época São Paulo, Razões para amar São Paulo, que busca transformar a cidade em um lugar melhor para viver. “Acredito em protagonismo do cidadão”, disse. Para ele, a construção de uma cidade melhor passa pela identificação dos problemas que se acumulam há décadas. “Estamos em uma mancha gigantesca, totalmente integrada, e é fundamental pensar em uma macrópole e também em um Plano Diretor que seja de integração dessas áreas. Não adianta pensar numa cidade murada, medieval. Não se vão resolver problemas olhando para o umbigo”, enfatizou. Já José Paulo Kupfer lembrou das histórias pessoais dos cidadãos, que, impotentes diante da força do mercado imobiliário, têm de se submeter ao poder econômico para não verem seu patrimônio desvalorizar. E salientou que considera como mais importante nas cidades caminhos que privilegiem a convivência. Do lado do coletivo, disse, é necessária a reforma política, já que a cidade sofre com corrupção. “Quando se sabe que na região da Guarapiranga, de manancial, moram hoje dois milhões de pessoas, não é coisa da noite para o dia, é ação permanente e estruturada, que só existe pelo desfuncionamento da sociedade. A reforma política poderia coibir de forma racional, justa e humana esse tipo de situação que tanto agride a urbanidade e a própria sociedade“.
Para Mello Franco, outra questão é o processo de fiscalização. Não apenas do público sobre o privado, mas com mecanismos de controle social e sem autoritarismo. “Nem tudo no Plano Diretor pode ser autoaplicado, pois depende de leis complementares e específicas. Ele não é solução para todos os males da cidade, não é lei sozinho, tem de ser entendido em articulação com marco regulatório e ter mecanismos estruturantes autoaplicáveis“. Segundo ele, não é para ser uma carta de boas intenções, mas para trazer para a cidade um corpo regulatório instituído com força de lei. “Tem limites, e estamos tentando ir ao limite para não depender de processos delicados e morosos para aprovação de leis específicas para cada passo que se precisa dar”.
A discussão da lei de uso e ocupação do solo, Lei de Zoneamento, se inicia em segundo seguinte ao Plano Diretor, com duas equipes trabalhando em paralelo. A meta é também o processo participativo e será lançado um concurso, fácil e rápido, para que o processo da discussão da lei de uso e ocupação de solo seja visto de forma diferente. A meta é fazer com que o concorrente seja obrigado a discutir se a lei vigente precisa ser alterada para ter determinado resultado, permitindo discussões do tipo: densidade vertical ou não, sem recuo ou com, que cidade quer e imagina do ponto de vista espacial. “Depois, poderemos extrair índices para conduzir o processo. Não é participativo do ponto de vista de debate público, mas será uma forma de participação com base em soluções concretas“.