Imprensa deve ter papel de destaque na elaboração do Plano Diretor
Para iniciar os debates, Fabiola Cidral descreveu as descobertas do projeto Seu Bairro, Nossa Cidade, da CBN: o abismo entre riqueza e pobreza ainda maior do que se pensava, problemas gigantescos como a falta de hospitais, esgoto, creche, o poder paralelo, o comando do crime, os bailes funk, a falta de sinalização. “A gente reclama do trânsito na 23 de Maio e não sabe o que é sair de M´Boi Mirim em direção à região central”, apontou. Os números comprovam. Na área de cultura, 45 dos 96 distritos da cidade não têm nenhum livro disponível a crianças e adultos, enquanto no distrito da Consolação são nove por pessoa. Na área de esportes, 56 distritos não têm qualquer equipamento público esportivo. Na habitação o quadro é ainda mais grave: o déficit relativo é de 1,2 milhão de residências – mas se formos contar a questão urbanística, 40% da população de São Paulo vive em condições precárias e temos 15 mil moradores de rua. Na saúde, 26 distritos não têm nenhum leito hospitalar. Em segurança, 89% da população não se sente segura, conforme pesquisa do Ibope.
“O horizonte é sombrio, mas dá para perceber claramente a vontade do paulistano de mudar a realidade”, disse Fabiola. “Não depende apenas da gestão pública – o olhar de prioridades tem de ser de toda sociedade. Temos algumas mudanças recentes, até pela pressão popular, como a prioridade para o transporte público. Acho que é por aí que vamos conseguir algumas mudanças“. A imprensa neste momento também tem papel fundamental de colocar em discussão na sociedade as prioridades na cidade. Outra mudança recente conquistada também por pressão popular, segundo ela, foi a criação dos conselhos participativos nas 32 subprefeituras. “A descentralização é fundamental para mudar a cidade. É outro papel importantíssimo da imprensa ajudar a gestão pública a informar a sociedade o que são esses conselhos, de que maneira a população pode participar“.
Marcelo Mattos, da Jovem Pan, observou que a São Paulo que queremos, goste-se ou não, passa pelo poder, pelos governantes, pelos 55 vereadores que estão na Câmara, eleitos pela população para tomar decisões tão importantes como o Plano Diretor. De acordo com ele, em Bogotá, um dos casos apresentados, o poder e a autoridade foram de fato protagonistas: o prefeito da época tomou a frente, levou a discussão e conseguiu modificar uma situação ruim. ”Há um sintoma de paralisia nas gestões”, avaliou. “São Paulo é tão dinâmica que anda por si só – no metrô e na CPTM são mais de 5 milhões de pessoas por dia, temos os ônibus lotados, a cidade não para. Ela é um polo de atração muito grande pela sua importância como maior cidade da América Latina e vai demorar para perder essa vocação”.
Ele chamou atenção para o Plano Diretor, sobre o qual há pressão de mercado, da sociedade civil, hoje protegida pelo Ministério Público. E, depois do Plano, a Lei de Zoneamento. “São Paulo tem de discutir em alto nível se quer maior adensamento em locais onde isso seja viável”, observou. “Há mesmo a demonização do mercado imobiliário: são os tubarões, vistos pela classe política como escudo. Cabe um contato com a sociedade para maior esclarecimento sobre o que estão fazendo o mercado, a classe política e a sociedade civil“.
Eduardo Della Manna, coordenador executivo da Vice-Presidência de Assuntos Legislativos do Secovi, lembrou que em Detroit já está sendo revertido o quadro de falência do modelo urbano, graças às ações articuladas da sociedade civil. “Temos algumas lideranças, prefeitos corajosos e com visão republicana, que materializam cidades mais interessantes. Isso faz diferença, mas o mais importante é a sociedade civil se organizar”, concordou Carlos Leite. Ele lembrou que, embora já haja casos interessantes de organização, faz-se necessário enfrentar algumas coisas surreais, como uma rede de metrô ínfima se comparada com outras duas que nasceram na mesma época – Santiago, com 103 km, Cidade do México, com 201 km, enquanto São Paulo tem 74 km. “Há uma fraqueza da sociedade civil organizada em cobrar isso dos gestores“.
Flavio Prando, vice-presidente de Habitação Econômica do Secovi, indagou se existiria, nessas cidades citadas como exemplo – Bogotá e Portland – um controle mais efetivo do poder público ou da sociedade organizada. Segundo Carlos Leite, tais casos mostram uma sociedade civil participante, ou lideranças eleitas mais qualificadas e decididas na condução de questões técnicas das cidades, não apenas político-eleitoreiras. “Agências de desenvolvimento urbano e econômico em alguns lugares têm sido uma excelente resposta“.