Experiência imobiliária brasileira é retratada em evento no Uruguai
O Brasil experimenta forte crescimento imobiliário, o que tem impulsionado a economia, com reflexos altamente positivos na estrutura social do País. Como esse processo se deu e quais as expectativas para os próximos anos são alguns dos aspectos de palestra que o presidente do Secovi-SP, João Crestana, faz amanhã, 26/8, no evento Inversiones Inmobiliarias Regionales 2011, em Punta Del Este, no Uruguai.
Para o portal PuntaBeThere.com, Crestana deu a seguinte entrevista. Confira.
Punta Be There – O senhor acredita em um boom no mercado brasileiro?
João Crestana – Não entendo que seja um boom no mercado brasileiro. A década de 1990 foi muito ruim para o nosso mercado. A inflação era alta e pouquíssimas pessoas investiam seus recursos em imóveis, direcionando-os para o mercado financeiro que possibilitava um ganho maior. Consideremos, então, essa década como estagnada para o setor imobiliário. Ela ficou marcada, também, como um período de extinção das ferramentas de financiamento que tinham sido criadas no Brasil na década de 1970. O BNH (Banco Nacional de Habitação), por exemplo, foi extinto no final dos anos de 1985/1986. E daí para frente o mercado imobiliário foi se deteriorando cada vez mais, junto à moeda brasileira. Estávamos com um mercado muito ruim e sem instrumentos regulatórios. Em igual situação caminhava nossa moeda.
Em 1995 dois eventos fantásticos aconteceram, a criação do Real, com toda uma política de ajustes, e o PROER, um plano de saneamento do sistema financeiro brasileiro que fez com que muitos bancos fracos fossem excluídos e outros se consolidassem com uma série de normas rígidas em conformidade, e até mais fortes, que o sistema de Basiléia.
PBT – Então estas foram as principais condições para a alavancagem do mercado imobiliário?
JC – Perfeitamente. Conseguimos alavancar o mercado imobiliário estruturando um sistema de financiamentos. Partimos para o exterior em busca de modelos, nós do Secovi, inclusive, os quais foram sendo implantados a partir de meados dos anos 1990. Em 1997 entrou em vigor uma lei muito importante, a Lei 9.541, que criou o
Sistema Financeiro Imobiliário brasileiro com garantias reais, porque a hipoteca estava muito desacreditada no País. Daí para frente vários instrumentos jurídicos administrativos foram sendo implementados. Foram cinco ou seis anos de criação de leis e marcos regulatórios que propiciaram instrumentos para o crédito, com a garantia da alienação fiduciária, que é a hipoteca adaptada à realidade do Brasil, e outros instrumentos que fortaleceram e estruturaram o setor imobiliário no País.
PBT – Qual setor da sociedade brasileira mais se beneficiou com este progresso?
JC – A classe média. De 2000 a 2010 o Brasil se recuperou economicamente. A política implementada no País elevou uma grande camada pobre da população para classe média. Com a estruturação do sistema financeiro no setor da habitação, só precisávamos de demanda, e agora a tínhamos. Mais de 40 milhões de pessoas entraram na classe média. Poderíamos chamar de coincidência, mas havia um planejamento em ambos os setores. Desde os anos 1990 estávamos nos preparamos para ter um sistema financeiro imobiliário forte.
Em 2005 e 2006 tivemos uma recuperação muito grande. Em 2008 balançamos com a crise do mercado internacional, mais por dúvida do que por qualquer outro fundamento. Mas nos recuperamos em 2009 e 2010. O mercado atual precisa de habitações. Nos próximos 10, 12 anos precisamos produzir quase 23 milhões de habitações, 6 milhões para suprir parte do déficit habitacional existente e mais uns 15 ou 16 milhões para a demanda vegetativa.
Por essa razão, não vejo como boom e sim como recuperação. Estruturação de um mercado que não existia.
PBT – E quanto ao Brasil, qual é o seu olhar sobre a nossa situação como empresário, dirigente de entidade e cidadão?
JC – O Brasil passou por uma série de coincidências positivas, resultados de planejamentos e fortalecimento de vários setores da economia. O primeiro grande evento marcante foi o fortalecimento da agricultura. Com a Embrapa – Empresa de Pesquisa Tecnológica na Área Agrícola, líder mundial e modelo de referência internacional, tivemos um grande desenvolvimento no setor, apesar de enfrentar oposição de várias ONGs internacionais. Há 25 anos, vários técnicos foram enviados ao exterior para aprender o que o mundo fazia em termos de agricultura. Regressando ao país, estruturaram esta força fantástica que é a Embrapa. O Brasil é hoje líder em commodities agrícolas, não porque tem muita terra, mas porque produz bem, barato, com qualidade e tecnologia.
No setor mineral, o Brasil obteve forte desenvolvimento principalmente com a privatização da Vale e da CSN, que trouxeram ao país tecnologia e competitividade. Hoje somos um grande produtor e exportador de commodities, talvez um dos maiores. E isso ocorre em duas áreas simultaneamente: mineral e agrícola. As commodities dependem dos preços estabelecidos no mercado internacional, que no momento estão em alta, beneficiando nossa economia. Quando há uma demanda internacional, os preços sobem e as empresas produtoras lucram muito. E mais, um esforço antigo com relação ao petróleo começa a projetar excepcionais resultados, atualmente trazendo equilíbrio, mas em um futuro próximo, provavelmente, independência.
Em meio a tudo isso, o Brasil soube equilibrar as divisas. Investiu criando empregos, consumidores e classe média. Somente com um mercado interno forte é que conseguiríamos esse desenvolvimento contínuo e sustentável. Desenvolvimento que nos proporciona força para enfrentar as crises nos mercados externos.
PBT – E a “bolha de crédito” ?
JC – O crédito no Brasil subiu para 45% do PIB. Analisando criteriosamente, veremos que cerca de 4% a 5% é de crédito imobiliário, muito pouco. Países como Chile e México têm 15% a 20%. Países Europeus, os Estados Unidos e o Canadá têm entre 50% a 60% de crédito imobiliário frente ao PIB.
Os 40% restantes são do crédito não imobiliário, e este é um número perto do limite aceitável, percentual que exige análise com muito critério e prováveis medidas. Mas o crédito imobiliário precisa ainda analisar suas ferramentas para continuar crescendo.
PBT – O que precisa ser feito para continuarmos nosso caminho de crescimento com sustentabilidade?
JC – Olhando para o futuro, diria que o Brasil precisa neste momento usar este acúmulo de reservas e o afluxo de recursos externos para construir duas coisas fundamentalmente: Infraestrutura: estradas, trens, aeroportos, portos, metrôs; Educação: investir pesadamente na educação. Necessitamos de novos programas e de nos mantermos focados na sintonização destes esforços com o destino que almejamos para o País.