Mercado imobiliário longe do berço esplêndido
* João Crestana
O momento favorável pode induzir a uma letargia, a desfrutar de berço esplêndido, já que a situação da habitação foi resolvida para sempre pelo programa Minha Casa Minha Vida…
Quanta miopia e distância da realidade! Esta iniciativa é somente um bom e corajoso passo inicial.
O País continua a exibir falhas imobiliárias e urbanísticas, notadamente a carência habitacional, que serão debeladas com persistência na implantação de uma Política Habitacional perene de Estado.
De início, é necessário aprovar a vinculação orçamentária de 2% das arrecadações federais para moradias na baixa renda onde resiste o déficit habitacional de seis milhões de unidades. Há projetos de lei em tramitação para formalizar este compromisso de maneira permanente.
E pouco se poderá construir sem terrenos em volume. Para tornar disponível este insumo crítico de produção, devemos aprovar nova legislação que substitua a ultrapassada Lei 6.766/79, de parcelamento do solo. Existem suficientes propostas com as autoridades, contemplando sustentabilidade, meio ambiente, responsabilidade social, dinâmica ocupação urbana e qualidade de vida. Contemporizar na análise compromete a capacidade de produzir tetos dignos. Cabe citar a necessidade de se modernizarem planos diretores e zoneamento, em busca do ideal de cidade compacta, da ocupação de vazios urbanos e áreas degradadas. Melhor que tecer suas carreiras eleitorais, vereadores e prefeitos podem contribuir ao debater e planejar o futuro das cidades.
Ademais, cumpre assegurar a continuidade do Minha Casa, Minha Vida para a baixa renda, de “0 a 3 salários”, e ajustar preços, mesmo com subsídios menores. Em certos casos, é viável diminuir um pouco os descontos e exigir uma parte maior de pagamento das famílias quando possível. Excesso de benefício acostuma mal e pode induzir à falsa noção de “não precisa pagar mesmo…”. As rendas familiares subiram enquanto algumas regiões continuam com preços inviáveis definidos no programa.
Importante desenvolver modo eficaz de entregar as unidades às famílias; a Caixa não pode se perenizar como administradora condominial de milhões de unidades; e a gestão de condomínios carece de adaptações. Urge alocar equipes de assistentes sociais e urbanistas para estudar a boa ocupação urbana e a convivência em grupos, transformando o desafio de alojar massas em oportunidade de convívio harmonioso. Com ajuda das empresas especializadas em administração de condomínios, teremos qualidade de vida, salubridade e segurança nos novos espaços.
A faixa de renda de R$ 1.395 a R$ 5.450 deve ser analisada visando a adaptar benefícios aos diversos substratos, tais como os de R$ 2.790 a R$ 3.270. Trata-se de redistribuir os subsídios nos juros e preços, evitando tirar do programa as famílias ligeiramente favorecidas pela macroeconomia.
Os resultados oficiais do Minha Casa, Minha Vida mostram que 75% das unidades serão produzidas por pequenas e médias empresas. Para fortalecê-las, cabe emprestar à mão de obra mais dignidade, fazer com que o “peão” se transforme em funcionário qualificado, orgulhoso de sua função e fiel à empresa. A chave é qualificar pessoas e criar atratividade permanente ao emprego.
Mais eficiência virá certamente de tecnologias novas, a demandar agilidade no apoio de laboratórios credenciados para homologar inovações das empresas como exigido pelos bancos.
E os conjuntos habitacionais precisam contar com serviços e comércio: escolas fundamentais, farmácias, mercados, dentistas, padarias. Novas áreas urbanas com parques e mobilidade, um aglomerado denso, compacto, com empregos, varejo, lazer e moradias em distância de caminhada, ciclovias e transporte de curtas distâncias. Verticalização inteligente que preserve áreas verdes permeáveis e o patrimônio histórico. Mobilidade com VLT de superfície, o moderno bonde, que permita às pessoas entrarem no veículo público nas esquinas, em nível, saírem e visitarem lojas. Presença física nas calçadas gera segurança e convívio a partir do projeto urbano. Sem elevados, escadas e estações suspensas no ar.
Por sua vez, o mercado voltado às classes média e alta é financiado pela caderneta de poupança, cujo saldo será suficiente só para os próximos três anos. Temos de explorar os recursos intensivamente, diminuindo compulsórios e eliminando “microdrenagens” causadas por redutores da disponibilidade. Todavia, em médio prazo, urge criar cultura junto aos fundos de pensão e reservas técnicas de seguradoras para aplicarem em imóveis, conforme países adiantados.
Por último, vale recordar que no mundo desenvolvido há incentivos tributários para os investidores em locação; na Bélgica, por exemplo, não há imposto de renda sobre aluguéis.
Não é momento para berço esplêndido e sim para união de todos em torno de trabalho competente, planos de ação de longo prazo e muita humildade.
João Crestana, presidente do Secovi-SP, da Comissão Nacional da Indústria Imobiliária da CBIC e reitor da Universidade Secovi