A visão urbana da indústria imobiliária
Claudio Bernardes abordou a função da indústria imobiliária no contexto do desenvolvimento urbano contra a imagem de demonização: atender a demandas de mercado por habitação, espaço para escritório, para comércio, obedecendo às regras e planos que existem. Segundo ele, nos últimos dez anos a população da região metropolitana cresceu 1,3 milhão de habitantes e o mercado produziu 491 mil unidades, com média de três habitantes por unidade.
Também foram produzidas um milhão de vagas de garagem. Ora, aí está uma das razões de críticas ao mercado, por estar estimulando o uso do carro. “É um equívoco isso. Nós estamos apenas atendendo ao que o mercado quer“, defendeu.
De acordo com Bernardes, para falar de projeto, também é interessante entender como as cidades vão se desenvolver nas próximas décadas. Até 2022 vamos precisar de aproximadamente 23 milhões de moradias. De 2000 a 2010 foram produzidas 1,1 milhão de unidades por ano. Na próxima década, serão necessárias 1,9 milhão de unidades ao ano para atender à demanda nacional. “Todos nós precisamos refletir como faremos para colocar esse pessoal todo de forma organizada nas cidades. Temos de avaliar essa demanda e encontrar um modelo que proporcione um mínimo de qualidade de vida à população”.
Embora a mobilidade seja um dos principais problemas em São Paulo, para Bernardes ainda pode piorar. Hoje temos 38 milhões de viagens por dia. E um custo enorme. A FGV calculou em R$ 50 bilhões por ano o custo do congestionamento. Para melhorar, existem algumas questões básicas, segundo ele. Uma delas, que não resolve o problema de imediato, por ser uma medida de longo prazo, é ter uma rede de transporte de massa eficiente. “Ora, se isso não é possível, o que então seria? Penso ser necessário alterar o modelo de ocupação da cidade – e aí, sim, o mercado tem como ajudar. Se a cidade planejar um modelo que contemple diminuição dos deslocamentos, temos como ajudar a melhorar a mobilidade”.
Em relação ao transporte de massa, temos 3,7 km de metrô por milhão de habitantes, e vamos demorar muito ainda para chegar a 30 km por milhão de habitantes. Até lá, precisamos de alternativas. “Temos de privilegiar o transporte coletivo, mas talvez hoje tenhamos outros mecanismos para melhorar o deslocamento na cidade, com a adoção de novos modelos de ocupação dela”, diz o presidente do Secovi. “Modelos que privilegiem a diminuição dos tipos de viagens mais importantes, por exemplo, que são aquelas feitas para ir ao trabalho ou à escola”.
De acordo com ele, as cidades precisam inovar. “Talvez não seja a melhor alternativa impedir ou dificultar a ocupação. Temos demanda aqui. Na cidade, são produzidas em média 30 mil novas unidades por ano, e na região metropolitana, 56 mil“. Para o presidente do Secovi, o setor da construção civil e imobiliário deve ser entendido como um instrumento que contribui para resolver o problema, mas quem decide como resolver é a própria sociedade. É ela que precisa definir para onde quer ir, com qual coeficiente de aproveitamento do terreno e com essa ou aquela taxa de ocupação”.
Efeitos colaterais do desequilíbrio entre oferta e demanda
Um dos efeitos colaterais de não se atender à demanda, como lembrou Bernardes, é o aumento dos preços dos imóveis, como tem acontecido com intensidade nos últimos dez anos. Além disso, ele chamou a atenção para outro efeito colateral: “Quando não conseguimos atender à demanda na capital, o que acaba acontecendo? Vamos produzir em municípios vizinhos. E o que se dá? As pessoas vão morar lá, mas continuam a trabalhar aqui. Isso só agrava a questão da mobilidade. Vejam bem, todos os dias São Paulo recebe 1 milhão de viagens de municípios vizinhos. Se pudéssemos acomodar todas essas pessoas por aqui, os deslocamentos diminuiriam significativamente. Com planejamento, envolvimento de todos e boa vontade teremos condições de fazer isso”.
Se mobilidade é uma das questões mais relevantes para uma metrópole como São Paulo, não menos importantes são as questões ligadas ao adensamento e à verticalização urbanos. Ambos são ferramentas que propiciam vantagens expressivas, como melhor aproveitamento do solo, maior racionalização do uso da infraestrutura e maximização dos investimentos. No caso do adensamento, duas são as formas de se medir: por área construída, ou seja, por quantidade de edificações no mesmo espaço físico, ou por número de habitantes/usuários.
Adensar e verticalizar são coisas distintas, embora por vezes as pessoas confundam uma com a outra, como procurou explicar o presidente do Secovi. “Podemos adensar sem verticalizar”, esclareceu, lembrando que comunidades horizontais (favelas, por exemplo) têm muitas vezes densidade muito maior do que bairros com muitos prédios, em função do elevado número de habitantes por moradia.
Segundo Bernardes é necessário desenhar as diferenças e os tipos de parâmetros urbanísticos necessários para o novo planejamento urbano. “Coeficientes de aproveitamento, tipologias de edifícios, modelo de adensamento, tudo isso tem de ser usado de forma inteligente, não na cidade inteira, obviamente, mas naquelas regiões, naqueles núcleos, onde haja interesse e permissão para essas intervenções”.
Adensar ou verticalizar? – Para Bernardes, é preciso ficar claro que coeficiente de aproveitamento máximo é um indicador que se adota para regiões da cidade que têm capacidade de absorver aquele tipo de empreendimento. Não vale para a cidade toda, mas sim para os locais compatíveis. Não é porque se maximiza uma construção numa área em que isso é permitido – e viável – que se vai gerar o caos urbano. Há, segundo ele, várias alternativas e modelos de ocupação capazes de promover o adensamento. De acordo com Bernardes, isso influi diretamente no preço final da unidade. Por exemplo, se o coeficiente 1 de aproveitamento do terreno custa 1.000, ao atingir o coeficiente 4 consegue-se uma redução de 75% no preço do terreno por metro quadrado de área construída. Com coeficiente 6, chega-se a uma redução de 83% no preço. Com coeficiente 10, 90% de economia no preço. A partir daí, do ponto de vista de queda no preço, os coeficientes já não pesam, embora continuem relevantes na questão da racionalidade na ocupação do espaço urbano. Se para o mercado e para o consumidor final o adensamento representa oportunidades de negócios, para o poder público é uma garantia de elevação de receita. É de Bernardes a análise: “O adensamento tem ônus, mas traz bônus para cidade. Se o coeficiente de aproveitamento do terreno salta de 1,3 para 4, sabe o que acontece com a arrecadação? Ela é multiplicada por dez. Desse modo, uma área que geraria R$ 1.000 de IPTU para a Prefeitura passa a gerar R$ 10.000. E isso não deixa de ser uma compensação tributária, que permite ao Poder Público municipal elevar receitas para investimentos na cidade”. Mas ele alerta: “O adensamento é de fato uma ferramenta importante e estratégica, mas é igual antibiótico, precisa saber usar”.
Onde adensar? Essa tem sido uma pergunta clássica desse mercado. Uma das soluções, segundo Bernardes, seria fazê-lo nos eixos onde já há transporte de massa. E a opção mais adequada para o momento seria a criação de polos de desenvolvimento autossustentáveis, ou seja, locais onde se podem fazer as atividades comuns do dia a dia sem a necessidade de grandes deslocamentos – e quando houver essa necessidade, usar o transporte coletivo que está lá, bem próximo. O Secovi fez estudo nesse sentido, usando a malha metroferroviária, para identificar alguns desses polos. A ideia seria criar um grande promenade ao longo da rede metroferroviária, com núcleos capazes de prover a comunidade local de suas necessidades pessoais e profissionais. Exemplo? Criar na marginal do rio Pinheiros, em cima das ferrovias, um parque linear, com ciclovias (pois a declividade é de apenas 0,5%), carro elétrico, a fim de induzir a ocupação local e diminuir os deslocamentos.
Depois da metrópole, a megalópole – Bernardes lembrou, ainda, da necessidade de se pensar em planejamento megalopolitano. “Não paramos para planejar a metrópole e perdemos o timing. Temos agora de pensar a megalópole, pois parte da solução do problema da metrópole está fora dela. E qual é a nossa megalópole? O território compreendido entre os municípios de São Paulo, Sorocaba, Santos, Campinas e São José dos Campos. Se não formos ágeis, teremos aí problemas urbanos ainda mais sérios do que os atuais”.
Para Carlos Tramontina, da TV Globo, as manifestações de junho mostraram para todos nós que as pessoas retomaram a cidade e ela precisa ser repensada. Ao enfatizar suas críticas ao mercado imobiliário, salientou que, na sua opinião, o setor deveria ser mais ativo e propositivo. “O Secovi apresenta a proposta, mas acho que fica muito à rabeira do que está acontecendo”, disse. Ele lembrou que Barcelona foi repensada em função dos Jogos Olímpicos, enquanto São Paulo não fez nada além de construir um estádio para a Copa com obras próximas a ele. “Como quebrar isso? As entidades como o Secovi devem ter participação importante e mais atuante no desenho de cidade que queremos ou das saídas que precisamos encontrar para nossa cidade“. Segundo ele, a sociedade civil deu provas mais do que suficientes de que terá, sim, capacidade de pressionar e de conseguir resultados para suas demandas com muita rapidez. O desafio é fazer com que os administradores estejam mais sintonizados com as necessidades da população. Uma das propostas do Secovi, respondeu Bernardes, é estruturar a cidade em polos de desenvolvimento autossustentáveis. “Estamos preocupados em atender a uma demanda de mercado de acordo com o planejamento que existe. O Brooklin não aguenta mais? Vamos mudar o planejamento“. Alencar Izidoro, editor-adjunto do caderno Metrópole da Folha de S.Paulo, destacou a mobilidade como o grande desafio. “A palavra está na moda. Hoje temos tido evoluções no Poder Público, que se mostra disposto a tomar iniciativas favoráveis ao transporte coletivo, em detrimento dos carros. Nos anos 1990, construção de túnel elegia prefeito. Hoje já não é grande bandeira de campanha para eleger ninguém na cidade“. Mas embora se discutam muito questões como a ampliação do metrô, essa medida isoladamente não impedirá que milhões de pessoas continuem se deslocando de um extremo a outro da cidade para trabalhar. “Isso não é sustentável, nem só para construir, mas para manter essa rede onde pessoas se deslocam 30, 40 km por dia para ir trabalhar“.
Ele defende que, além da mobilidade, pense-se também em acessibilidade, no sentido de ter acesso fácil aos locais, com diminuição das distâncias. Isso pressupõe boa qualidade de transporte. “Para reordenar essa distribuição desigual de empregos e moradias, uma das coisas é incentivar a criação de polos de empregos, centros empresariais, em áreas periféricas, discussão que está sendo travada na Prefeitura, via incentivos fiscais“.
Investir ou não nas áreas centrais – Para Izidoro, um dos temas mais urgentes, na questão do Plano Diretor da cidade, é saber sobre a disposição do Poder Público e do mercado em relação à ocupação das áreas centrais, onde, como todos sabem, existe infraestrutura de boa qualidade subaproveitada. Ele indagou: “O mercado imobiliário estaria disposto a seguir, por exemplo, diretrizes impedindo a oferta de garagens em construções nessa área, como uma contribuição ao desestímulo do uso do automóvel?” E explicou seu ponto de vista: “Não faz sentido continuar permitindo adensamento e verticalização que na prática criam facilidades para uso de carros“.
Segundo Claudio Bernardes, a diminuição de vagas de garagem e a possibilidade de construir sem garagem são discutidas pelo setor, mas o mercado só vai construir se houver demanda. Na complementação, explicou que o adensamento é uma ferramenta urbanística importante porque maximiza os investimentos públicos: “As pessoas têm de fazer suas atividades do dia a dia; e se conseguirem fazer isso sem se deslocar muito, a cidade vai funcionar bem. A sociedade tem de romper com os modelos. O mercado, impactado por tudo isso, está fazendo a parte dele. Mas de quem é a responsabilidade principal de provocar mudanças e rupturas nos modelos que precisam de aperfeiçoamento? Obviamente é quem tem o poder da lei e quem tem o poder da lei é o Poder Público. Porém, o que o Poder Público não pode ignorar é a lei de oferta e procura. Se a legislação diz uma coisa e o mercado outra, as coisas não acontecem, porque nenhuma empresa vai sair construindo casas e prédios se não houver quem os compre”. Por isso, segundo ele, a solução tem de ser integrada. “Por exemplo, não vai mais poder ter vagas de garagem em prédios construídos ao lado do metrô, porque ali tem como a pessoa descer, pegar o metrô e ir trabalhar? OK. Alguém vai comprar esse apartamento? Sim? Então vamos fazer. Ninguém vai comprar? É líquido e certo que ninguém irá construir“. Bernardes lembrou que o mercado trabalha com pesquisa de comportamento do consumidor para saber seus desejos, entender os comportamentos, analisar as tendências e chegar a uma equação entre o custo de um produto e o poder aquisitivo do comprador. E isso é fundamental, já que nem sempre o consumidor pode comprar o produto que quer e nem sempre o produto que se quer oferecer tem uma matriz de custo que caberá no bolso do cliente.
Mercado pulverizado – Claudio Bernardes também lembrou outra peculiaridade da indústria imobiliária: “O mercado é heterogêneo, com 80% das empresas pulverizadas. É difícil estabelecer procedimentos de atuação. As empresas têm as mais diversas visões de mercado e cada uma busca o seu nicho. Se pudéssemos fazer um pacto no setor, por exemplo, para fazer menos vagas de garagem, como alternativa para desestimular o uso do automóvel, como agora se começa a apregoar, esse pacto só teria chances de vingar se de fato o mercado estivesse disposto a comprar apartamento sem garagem. Caso contrário, seria letra morta, pois com o mercado pulverizado do jeito que é e havendo demanda por apartamentos com vagas de garagem ele atenderá, pois quem fizer diferente não vai vender“. Questionado sobre a possibilidade de o mercado abrir mão de parte da lucratividade que teria a mais com adensamento da cidade, Bernardes respondeu que o mercado não sobe nem desce a sua lucratividade, pois ela já é regulada pela ampla competividade existente. O que acontece, segundo ele, é que o ônus imposto à indústria na construção de moradias vai inexoravelmente para o preço final do imóvel e quem paga é o consumidor. Achatar a margem não é solução, segundo comentou, ao contrário: sem margem, o empreendedor se desinteressa e migra para outras atividades.